Bom artigo da Inês Pedrosa na revista do Expresso desta semana. Diz o essencial sobre a coisa.
"Sempre que se tem notícia de mais um assassinato de uma jovem muçulmana, perpetrado pela família, em consequência do nefando "crime" de amar quem o pai não quer, ergue-se um coro de vozes paliativas dizendo que não é só no mundo islâmico que as mulheres morrem às mãos dos homens da sua família. Aconteceu agora, aquando da condenação dos assassinos de Banaz Mahmod, uma rapariga de 20 anos que vivia em Birmingham, Inglaterra e que acabou por ser morta e enterrada pelo pai e pelo tio, depois de se ter dirigido por diversas vezes à polícia contar as ameaças de morte do progenitor e pedir ajuda - sem sucesso.
"Sempre que se tem notícia de mais um assassinato de uma jovem muçulmana, perpetrado pela família, em consequência do nefando "crime" de amar quem o pai não quer, ergue-se um coro de vozes paliativas dizendo que não é só no mundo islâmico que as mulheres morrem às mãos dos homens da sua família. Aconteceu agora, aquando da condenação dos assassinos de Banaz Mahmod, uma rapariga de 20 anos que vivia em Birmingham, Inglaterra e que acabou por ser morta e enterrada pelo pai e pelo tio, depois de se ter dirigido por diversas vezes à polícia contar as ameaças de morte do progenitor e pedir ajuda - sem sucesso.
É verdade que, num só ano, 39 mulheres portuguesas morreram às mãos de maridos e namorados - uma verdade bárbara que significa que os resquícios de uma cultura fundada no princípio de que "a cabeça da mulher é o homem" (São Paulo, Epístola aos Coríntios) demoram a extirpar.
Mas há uma diferença essencial: os "crimes de honra", na contemporânea civilização laica do Ocidente, não são praticados com a aprovação e a conivência da parentela dos assassinos. Fazem-se campanhas para alertar as mulheres de que não devem aceitar relações violentas, e que existem diversas entidades a que podem recorrer. Muitas vezes, na prática, esse apoio é ténue porque a nossa Justiça é infinitamente branda e lenta para com os agressores - não percebo porque é que as vítimas de violência são forçadas a esconder-se em casas secretas enquanto os verdugos ficam à solta, fazendo a sua vidinha, nem porque é tão difícil que as famílias de atacantes identificados como perigosos doentes mentais obtenham o internamento deles. Mas, pelo menos, há um alarme social. Números. Possibilidades de salvação. Nada disto existe no mundo islâmico - e, para vergonha do Ocidente, nem sequer no mundo islâmico que vive dentro das fronteiras da Declaração Universal dos Direitos dos Homens. Porquê? Porque temos medo de parecer racistas. Que meninas de cinco anos sejam sujeitas a mutilação genital sobre mesas portuguesas, francesas, alemãs ou inglesas, é menos grave do que parecermos intolerantes. Que jovens muçulmanas vivam nas cidades da Europa sujeitas à opressão da Sharia, incomoda-nos menos do que ter uma posição frontal contra esta ignomínia. Dizemos que não queremos excitar os ânimos. Que chegaremos lá através do diálogo. Theo Van Gogh, já baleado, tentou dialogar: "Podemos falar?" Responderam-lhe mais balas. Temos medo - porque, de facto, há razões para ter medo. Salmon Rushdie que o diga. Ayaan Hirsi Ali que o diga - ambos vivem com condenações à morte sobre as suas cabeças. Mas não vergam essas cabeças, porque sabem que, quanto mais se vergarem, maior será a violência dos "fiéis" sobre os "infiéis".
A autobiografia de Ayaan Hirsi Ali, recentemente publicada nos Estados Unidos com o título "Infiel" ("Infidel"; edição Free Press, 2007), é, não só um murro no estômago (e em todas as outras partes do corpo, porque não há nenhuma que, a bem da pureza do Islão, não lhe tenham dilacerado) e uma história de infinita valentia, como uma análise inteligente e lúcida dos efeitos da complacência ocidental face à cruzada islâmica.
Nascida na Somália, Hirsi Ali viveu a infância e a juventude em vários países da África muçulmana e na Arábia Saudita, fugiu em 1992 para a Holanda, para escapar a um casamento forçado, licenciou-se em Ciência Política e lutou pelos direitos das imigrantes muçulmanas como deputada no Parlamento holandês. Depois do assassinato do realizador Theo Van Gogh, por um radical islâmico, em consequência do filme Submission, com argumento dela, o seu direito à nacionalidade holandesa foi posto em causa pela responsável política pela Imigração (até então sua amiga) e Ali acabou por se radicar nos EUA. Uma das suas mais incómodas propostas parlamentares foi a da aboliçao do artigo da Constitutição holandesa que protegia a criação de escolas religiosas, alegando que os fundos governamentais deveriam ser utilizados em escolas ideologicamente neutras, de modo a encorajar as crianças a fazer perguntas e a respeitar o pluralismo. Tentou explicar que era um disparate pensar-se que os muçulmanos se integrariam melhor se os holandeses aceitassem toda a espécie de auto-segregação muçulmana - respondiam-lhe, na melhor das hipóteses, que ainda não era o tempo certo, ou, na pior, que estava toldada pela sua experiência.
O paternalismo tem sempre duas faces; ou porque experimentaram na pele ou porque falam de cor, as mulheres nunca são de fiar. Questão de hormonas, emoções. Então Hirsi Ali começou a lutar pelos factos: pediu as estatísticas dos "crimes de honra" na Holanda. O Ministério da Justiça respondeu-lhe que não discriminava os crimes pelas suas motivações, para não "estigmatizar grupos na sociedade". Conseguiu lançar uma experiência-piloto em 2 dos 25 departamentos policiais da Holanda. Descobriu-se que, só nestas duas áreas, entre Outubro de 2004 e Maio de 2005, 11 raparigas muçulmanas tinham sido mortas pelas famílias.
Quantas mais terão de morrer até que os relativistas culturais e morais acordem?"
Inês Pedrosa, Única 23 Junho 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário