sexta-feira, junho 22, 2007

Considerações sobre a desgraça árabe

" Como é que se passou ao marasmo actual, talvez mais intelectual e ideológico do que material, mas que tem por efeito fazer crer aos árabes que não têm outro futuro para além do que lhes destina um milenarimo mórbido?
Como é que se menospreza uma cultura viva, para comungar no culto da desgraça e da morte?
(...)
Será necessário descrever a desgraça árabe? Alguns números bastariam para dizer a gravidade do impasse em que as sociedades árabes se encontram bloqueadas: taxas de analfabetismo, disparidade entre os mais ricos, imensamente ricos, e os mais pobres, sobrepovoamento das cidades, desertificação das províncias... Mas, dir-me-ão, isso é o lote comum de boa parte daquilo a que ainda há pouco se chamava o terceiro mundo. E, mesmo assim, há muito mais pobreza nas ruas de Calcutá e mais disparidades no Rio de Janeiro. Sem dúvida. Só que a desgraça, neste caso, não é um obstáculo ao desenvolvimento, nem é uma questão de classes, nem mesmo de carências educativas.
(...) Comparações mais modestas seriam suficientemente perturbadoras. Com a Ásia, onde o crescimento económico multiplicou os "Tigres" e "Dragões". Com a América Latina, onde a transição democrática parece ter atingido o ponto de não-retorno. E mesmo coma África sub-sariana, onde apesar de tudo coesxistem guerras civis traumáticas e experiências democráticas. Essas regiões do planeta, que ainda há pouco tempo pareciam partilhar com os árabes as distorções do desenvolvimento e o arbitrário político, estão longe de ter atingido a paridade com Norte industrial e democrático. Mas, pelo menos, encontram-se nelas compensações que constituem motivos para não desesperar."


Samir Kassir
, asassinado em 2005, em Beirute.
Considerações sobre a desgraça árabe, 2004 (Edições Cotovia)

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24 anos, velha carcaça.