sexta-feira, março 28, 2008
Crime e castigo
A peixeirada retratada tão oportunamente por telemóvel na Escola Carolina Michaëlis foi coisa que não me surpreendeu. Quem frequentou uma escola pública portuguesa, mesmo uma escola pública razoavelmente bem frequentada como eu frequentei, sabe bem o que por lá se passa. Não são casos isolados, são o quotidiano mais banal que se possa imaginar.
Tive aulas em que alunos estavam confortavelmente sentados em cima da mesa como se do bar da escola se tratasse, tive aulas em que a gritaria era tanta durante os “exercícios práticos individuais” que as professoras simplesmente desistiam e assistiam impotentes à rebaldaria, à espera que tocasse para a saída. Tive aulas em que os alunos contavam anedotas ordinárias aos professores. É verdade que também tive um ou outro professor à séria, dos que prometiam enfiar a cabeça na parede de um dos selvagenzinhos se este não se comportasse (isto funcionava). Mas o caos está mais ou menos generalizado na escola pública.
Durante uma dessas sessões educativas, disse à minha colega de carteira da altura: se isto fosse gravado e exposto ao país, ficava tudo parvo. Felizmente, a tecnologia fez-me o gosto. O episódio da Carolina Michaëlis é uma espécie de dia-a-dia no ensino público português e quem diz que não é porque não conhece ou simplesmente não o quer admitir. Não é preciso ir mais longe, basta contabilizar o número de professores que frequenta o psicólogo para percebermos o que temos em mãos. E também não é preciso chegar aos casos das agressões. Basta ficarmo-nos pela má educação generalizada permitida.
Isto é tudo mais interessante quando acabo de ouvir no telejornal da SIC um psiquiatra mesmo escolhido a dedo, pleno dos mesmos tiques daqueles que deram cabo da educação. Medidas repressivas? Ah não, a realidade é muito complexa, a realidade é multifacetada, a realidade é multifactorial, a realidade não é linear, a realidade tem muitas vertentes, é preciso compreender todas a variantes e complexidades e particularidades e agir de forma inclusiva e não restritiva. Já perdi conta ao número de vezes e de sítios em vi que este discurso repetido até à náusea. O problema destes teóricos de vão de escada é que com tanta complexidade multifactorial perdem de vista valores bem simples e singelos, como por exemplo o de cada crime ter um castigo. É uma coisa bem clara e que faz todo o sentido, mas não cabe de certeza em muitas cabeças cheias de blá blá blá abstracto de manuais académicos de toda a espécie. A recusa do psiquiatra em aceitar que nas escolas privadas tais cenas não acontecem - porque há um castigo à espera do prevaricador e todos o sabem - é sintomática. Mete dó.
Ok, concedo. Também há o problema dos pais. Os pais destes filhos também são um caso bicudo. Não conheço a realidade alheia, fora de Portugal, mas sei que cá dentro as gentes dividem-se da seguinte forma.
Há a grande maioria da população tuga, que eu cifraria em 70 %, e que é uma massa mais ou menos homogénea de broncalhões, mal-educados, grunhos, sopeiras, em suma, gentinha. Obviamente, daqui não podem sair bons exemplos. Mesmo quando não se interessam especialmente pelo rumo da educação dos filhos, abespinham-se quando sabem que este ou aquele professor tentou meter o rebento na ordem e vão lá eles próprios mostrar como é que é.
Depois, há cerca de 20 % de pessoas que, não cabendo propriamente na categoria dos broncalhões e dos grunhos, representam uma espécie de classe média com um ligeiro toque de novo-riquismo espiritual. Os filhos são deuses, recebem trinta prendas no Natal, aos dez anos já trocaram três vezes de telemóvel, mandam nos pais, são, no máximo dos máximos, adoráveis bons selvagens, têm uma personalidade forte. É deixá-los expressarem-se.
Por fim, sobram 10% de pessoas decentes e com nível. Mas talvez esteja a ser optimista, um milhão de pessoas em Portugal é muita coisa. Talvez sejam apenas 5%.
A escola pública fez-se para tirar Portugal do analfabetismo puro que se encontravam. Conseguiu-se alguma coisa, mas o resultado três décadas depois não é nada brilhante. Passámos do analfabetismo puro da maioria para a mediocridade confrangedora da maioria. Não é apenas o aluno que trata o professor como se este lhe fosse igual (doce perversão), é finalistas universitários que não sabem escrever português e mais de metade dos resultados dos exames nacionais de matemática do 9º ano serem negativos. É esta mediocridade insuportável que grassa, e só podia. Porque princípios simples e singelos como crime-castigo, trabalho-recompensa ou sacrifício-resultados aparentemente são tão difíceis de implementar. A ministra da Educação, que agora vem tentar concertar (invariavelmente por diarreia regulamentar) toda a porcaria causada pelo seu próprio ministério, mostrou bem o que pensa disto, quando disse isto à Judite de Sousa: não importa como os alunos passam de ano, desde que tenham nota para passar. Mais do mesmo.
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24 anos, velha carcaça.
2 comentários:
bem exposto.
concordo plenamente,e sou ainda mais conservadora nas percentagens...
Pois, como eu disse quanto às percentagens, talvez eu estivesse a ser demasiado optimista :P
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